Direito aplicável aos Contratos internacionais
- ZMBS Advogados
- 4 de dez. de 2020
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Diante de um mundo globalizado, onde a distância, as fronteiras e as diversas línguas faladas pelas partes interessadas deixaram de ser obstáculos para o encontro de vontades, a celebração dos chamados contratos internacionais se tornou cada vez mais comum.
Os contratos internacionais são caracterizados pelo fato de o instrumento estar submetido a mais de um sistema jurídico, produzindo efeitos em mais de um Estado de direito.
A escolha da lei aplicável em contratos internacionais é de extrema relevância, uma vez que a possibilidade de aplicação de ordenamentos jurídicos diversos, pode gerar conflitos de lei e de jurisdição e, consequentemente, dúvidas de qual ordenamento jurídico deve prevalecer. O conflito de lei aplicável pode gerar insegurança jurídica e imprevisibilidade nos negócios internacionais.
Nesse cenário, a questão da lei aplicável aos contratos internacionais se torna um dos pontos mais discutidos nas negociações.
O presente artigo tem como objetivo apresentar os conceitos básicos e noções gerais no que se refere ao direito aplicável a este tipo de contrato.
Autonomia da Vontade no Direito Brasileiro
A autonomia da vontade das partes está presente no sistema jurídico de diversos países, que a reconhecem como elemento de conexão para se determinar qual lei será aplicada em um contrato internacional. Segundo o princípio da autonomia da vontade, as partes contratantes têm liberdade para determinar a lei que regerá o contrato e é fundamentada no princípio da liberdade contratual.
No Brasil, no entanto, a possibilidade de as partes escolherem a jurisdição aplicável ainda é divergente quanto a sua aplicabilidade diante do ordenamento jurídico em vigor.
Nesse sentido, parte da doutrina entende que no Brasil a autonomia da vontade das partes não se aplica quando a questão se refere a lei aplicável nos contratos, uma vez que se trataria de uma afronta a Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (“LINDB”), a qual consagra em seu artigo 9º a regra da “lex loci celebrationis”, que determina que os contratos sejam regulados pela lei do lugar de sua formação e assinatura.
Para esta parte da doutrina, o legislador, ao remover do texto original da LINDB a expressão "salvo disposição em contrário", que permitia a escolha, pelas partes, da lei de regência dos contratos internacionais, ainda que de forma parcial ou supletiva, decidiu por estabelecer como regra a aplicação da lei do local da celebração do contrato.
Assim, sob este entendimento, os contratos internacionais cuja execução ocorra no Brasil e dependa de forma essencial (art. 9º, § 1º, LINDB), estarão sujeitos à lei brasileira.
Outrossim, muitos juristas entendem que a lex loci celebrationis prevalece enquanto o Brasil não internalizar em sua legislação, a Convenção do México, da qual o Brasil é signatário.
Referida Convenção estabelece que as partes contratantes têm liberdade para estabelecer a lei que será aplicável a relação [1], consagrando assim a autonomia das partes como elemento de conexão para decisão do direito aplicável aos contratos internacionais.
No entanto, em que pese o Brasil ter participado da elaboração do texto da Convenção em 1994 e ser signatário do tratado, o Brasil ainda não a ratificou e internalizou esta Convenção, o que a impede de ter força vinculante dentro do território nacional [2].
Por outro lado, há uma grande parte de juristas que entendem que a aplicação do princípio da autonomia da vontade das partes não afronta as normas de ordem pública, desse que o objeto contratado seja lícito, podendo as partes optar pela lei que será aplicável a relação.
Para estes juristas a regra dos contratos enseja a aplicação da autonomia da vontade das partes, por meio da qual estas teriam liberdade para decidir, inclusive sobre qual a lei aplicável, devendo a LINDB ser observada quando o contrato for omisso nessa escolha.
Em que pese tal corrente também ser defendida no Brasil, é necessário que as partes contratantes considerem que eventual escolha de lei aplicável, baseada na autonomia das vontades das partes, poderá vir ser afastada pelo judiciário brasileiro, a depender do caso concreto e da interpretação a ser dada pelo magistrado.
Diante do exposto, conclui-se que em que pese ambas as interpretações serem amplamente defendidas no Brasil, é certo que a ausência de uma norma que adote expressamente o princípio da autonomia da vontade para a determinação da lei aplicável em um contrato internacional, acarreta em uma certa insegurança jurídica, sendo ainda fonte de conflitos entre as partes contratante, dadas as divergentes possibilidades de interpretação.
A Arbitragem no Brasil
A Lei da arbitragem brasileira (Lei nº 9.307/96) promoveu um significativo avanço no que se refere a positivação da possibilidade da autonomia das partes ser aplicável aos contratos, ao permitir às partes, seja em contrato nacional ou internacional, estipular na convenção arbitral a lei aplicável ao instrumento [3], ou até mesmo determinar que sejam aplicados princípios gerais de direito, além dos usos e costumes.
Na arbitragem as partes têm ampla liberdade para escolher as regras que serão aplicáveis no contrato, bem como sobre as normas procedimentais de uma determinada entidade que irá eventualmente conduzir a solução de um determinado conflito.
Além disso, por meio da arbitragem as partes detêm ampla autonomia e liberdade para a escolha das regras, rituais e procedimentos aplicáveis, assim como quanto a escolha do local em que se realizarão tais atos. As partes poderão, também, escolher as normas que irão orientar os árbitros ao proferir a sentença arbitral.
Nesse contexto, a Lei da Arbitragem protege totalmente a autonomia da vontade das partes, inclusive para escolha da lei aplicável aos contratos internacionais, desde que o instrumento tenha uma cláusula expressa e clara de compromisso arbitral.
A inserção de compromisso arbitral nos contratos internacionais constitui prática frequente que, além dos benefícios inerentes a sua aplicação, viabiliza que as partes possam optar com segurança pela lei e/ou regras que serão aplicáveis no contrato, trazendo assim uma maior segurança jurídica a contratação.
Conclusão
A questão da autonomia da vontade no Direito Brasileiro, apesar de analisada pela doutrina como possível e permitida, ainda está pendente de ser expressamente admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Pela atual redação do artigo 9º da LINDB, a autonomia da vontade das partes estaria expressamente afasta no que tange a possibilidade de sua utilização, pelas partes, para determinar a lei aplicável a um contrato.
A Convenção do México, da qual o Brasil é signatário, contemplou expressamente a possibilidade de as partes, em um contrato internacional, escolherem o direito que o regerá, contudo, a ausência de sua internalização no ordenamento jurídico brasileiro impede até o momento sua aplicação no Brasil.
Por fim, considerando que é imprescindível que as partes tenham segurança jurídica sobre o objeto contratado, termos e condições aplicáveis, uma alternativa viável e segura às partes reside na aplicação do compromisso arbitral, que autoriza as partes a escolher, entre outras questões aplicáveis, a lei que regerá o compromisso contratual.
Ana Carolina Ueda Silva Gabriel
Especialista em Direito dos Contratos
Advogada das áreas de Contratos e Societário de ZMBS Advogados
Liv Arrobas
Especialista em Direito Empresarial
Advogada das áreas de Contratos e Compliance de ZMBS Advogados
[1] Art. 7 O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. [2] Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, “A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa. então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O sistema constitucional brasileiro não consagra o princípio do efeito direto e nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais.” (CR 8.279-AgR. Plenário. ReI. Min. Presidente Celso de Mello. J. 17-6-98. DJ de 10-08-2000). [3] Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio
