A responsabilidade pré-contratual e a exigência de certidão de antecedentes criminais
- ZMBS Advogados

- 12 de jul. de 2019
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Nas relações de trabalho, não há dúvidas quanto à existência de responsabilidade do empregado e do empregador na vigência do contrato. Cada parte tem direitos e deveres que emergem do pacto trabalhista. Ocorre que, durante as negociações e tratativas preliminares à formulação do contrato de trabalho, as partes também possuem obrigações recíprocas.
Trata-se da chamada fase pré-contratual, que tem como característica intrínseca a geração de expectativas: de um lado, o trabalhador espera prestar seus serviços em troca da remuneração oferecida (ainda que salário e benefícios estejam em negociação). Do outro, a expectativa da empresa é obter os serviços desejados no prazo combinado.
Assim, tanto a doutrina[1] quanto a jurisprudência trabalhista entendem que o dever de indenizar por eventuais condutas lesivas surge já a partir da fase de formação do contrato de trabalho. É comum a condenação judicial de empresas que cancelam vagas quando os respectivos processos seletivos se encontram em estágio avançado, ou até mesmo depois da realização de exame médico admissional, envio de documentos pessoais, entrega de veículo da frota empresarial etc.
O ano de 2017 foi marcante, não só pela ampliação da terceirização de serviços (Lei nº 13.429/2017) e pelo advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), mas também porque o Tribunal Superior do Trabalho (TST) solucionou uma controvérsia sobre a fase pré-contratual que existia há tempos: a exigência pelas empresas de certidão de antecedentes criminais aos candidatos a emprego.
No dia 20/04/2017, a Subseção Especializada em Dissídios Individuais 1 do TST, em julgamento de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo[2] sob relatoria do Ministro João Oreste Dalazen, fixou a tese jurídica no sentido de que a exigência da certidão de antecedentes criminais só é legítima se houver expressa previsão legal ou em razão da natureza do ofício ou do grau especial de confiança exigido do candidato ao emprego. Do contrário, esta providência acarreta lesão de ordem moral, independentemente da admissão do empregado (in re ipsa).
A justificar esse entendimento, o órgão julgador valeu-se da Constituição Federal de 1988, que define o tratamento igualitário entre os indivíduos, independentemente de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outros fatores (artigo 3º, inciso IV), prevê punição para atitudes discriminatórias (artigo 5º, inciso XLI) e destaca o valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV). Fundamentou esta decisão, ainda, na Lei nº 9.029/1995, que descreve práticas discriminatórias de acesso ao emprego ou rompimento dos contratos de trabalho.
O TST formulou, ainda, rol exemplificativo de profissões para as quais esta exigência seria justificada, tais como, empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados do setor da agroindústria que manejam ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas e indivíduos que atuam com informações sigilosas.
Baseado na tese jurídica fixada em 2017, a 1ª Turma do TST deferiu indenização por danos morais a um operador de serigrafia que, para ser admitido por uma empresa, teve de apresentar certidão de antecedentes criminais[3]. A Turma reiterou que sem previsão legal ou necessidade no caso concreto tal exigência caracteriza discriminação.
Em processo mais recente, a 6ª Turma do TST concedeu indenização por dano moral de R$ 5 mil a um ajudante de produção que, para ser contratado por uma fábrica de biscoitos e massas do Ceará, teve de apresentar certidão de antecedentes criminais e folha criminal[4]. Ao acolher recurso do empregado, a Turma rejeitou a justificativa da empresa de que o alto índice de violência na cidade da admissão justificaria esta exigência.
Portanto, as empresas devem agir com cautela na formulação de políticas de admissão e na definição de rotinas das áreas de gestão de pessoas e recursos humanos, de modo a evitar que condutas aparentemente justificáveis do ponto de vista do negócio possam ser consideradas lesivas a direitos e garantias fundamentais.
Willians Simon Pires
[1]“Na presença do consentimento em negociar a formação de um projeto contratual, dever-se-ia considerar que cada uma das partes tenha sido induzida a elaborá-lo justamente em atenção à concordância de outra, que robustecia a sua esperança de alcançar um êxito favorável. De qualquer modo, existe uma violação ilegítima de um acordo pré-contratual sobre o término ou pelo menos sobre a continuação das negociações, e nesta violação funda-se a responsabilidade pré-contratual.” CHAVES, Antônio. Responsabilidade Pré- Contratual. 2ª edição. São Paulo: Editora Lejus, 1997.
[2] IRR nº 0243000-58.2013.5.13.0023
[3] RR nº 0207000-56.2013.5.13.0024
[4] RR nº 0001124-06.2017.5.07.0033





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